"RESQUÍCIOS DEPRESSIVOS, SUJOS E NOJENTOS" trata-se de textos onde exponho de forma irônica, metafórica, crítica e subversiva a condição humana. Esse blog pode causar estranhamento e até mesmo raiva, pois mistura o real com o fictício sem embelezamentos, indo a fundo no que o ser humano tem de pior: a ignorância, a covardia, os tormentos, a utilização da sexualidade de forma desrespeitosa, os vícios, a solidão, etc. Qualquer semelhança entre fatos e os textos aqui presentes é mera coincidência. As características do texto não representam necessariamente o ponto de vista do autor que vos escreve.

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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

ROMANCE ÀS AVESSAS

Conheceram-se numa tarde de nuvens negras. Estavam em um boteco fedorento no centro da cidade junto de bêbados depravados, alcoólicos depressivos e putas melancólicas.

Ela – sentada ao balcão, com sua microsaia, expondo varizes e celulites – bebia a segunda dose de tequila, depois de vários copos de cerveja barata.

Ele – sentado a uma mesa suja e engordurada, com os primeiros botões de sua camisa abertos – segurava um copo de uísque, bebendo pequenos goles, observando a moça sentada ao balcão.

Os olhares se cruzaram. Ele coçou o saco, ela arrotou tequila.

Ele saiu de sua mesa e foi até o balcão. Perguntou a ela quanto era o programa. Mas ela não fazia programa, oras!

Conversaram. E toda conversa de bêbado rende. Ficaram horas falando besteira. Inevitável, saíram de lá e pagaram um motel qualquer.

Inexplicavelmente iniciaram um relacionamento e foram morar juntos. Claro que se traíam, afinal, não são exemplos de virtude. Mas fingiam não saber do fato.

Acordavam e tomavam juntos o café da manhã: pão velho, cerveja e geleia vencida. A televisão ficava ligada em qualquer canal desinteressante. Falavam sobre coisas fúteis, discutiam, trocavam ofensas e voltavam a mastigar o pão com geleia. Então o silêncio de meio minuto, logo depois falavam de qualquer outra mediocridade, como se estivesse tudo certo.

Cada um seguia para seu trabalho e para suas farras particulares. Voltavam para casa, jantavam restos da semana anterior ou pediam pizzas. Deitavam-se na cama, transavam sem desejo, muitas vezes nem gozavam. Essa era a rotina do casal.

Consideravam-se felizes, pensavam que não poderia ser melhor. Na verdade, não faziam questão de tentar mudar.

Anos se passaram e eles continuavam juntos, no entanto as discussões aumentaram. Em muitas das brigas havia agressão física e ameaças de morte. Ainda assim continuavam juntos.

Era segunda-feira. Ele decidiu não entrar na firma. Resolveu pagar uma prostituta e perder parte da tarde com ela. Por conta disso chegou mais cedo em casa e encontrou sua esposa transando com outro.

O amante conseguiu escapar, mas ela não teve a mesma sorte. Apanhou como nunca, perdeu muitos dentes, perdeu a vontade de viver.

Ele foi denunciado por vizinhos e foi afastado. Ele não sabia, mas sua vítima estava grávida. Ela, por sua vez, não sabia quem seria o pai.

Assim é o romance na Terra. Tão diferente das novelas da televisão, que por serem tão ilusórias tornam-se tão ou mais sujas que a podre realidade.

A novela é um romance às avessas.

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