"RESQUÍCIOS DEPRESSIVOS, SUJOS E NOJENTOS" trata-se de textos onde exponho de forma irônica, metafórica, crítica e subversiva a condição humana. Esse blog pode causar estranhamento e até mesmo raiva, pois mistura o real com o fictício sem embelezamentos, indo a fundo no que o ser humano tem de pior: a ignorância, a covardia, os tormentos, a utilização da sexualidade de forma desrespeitosa, os vícios, a solidão, etc. Qualquer semelhança entre fatos e os textos aqui presentes é mera coincidência. As características do texto não representam necessariamente o ponto de vista do autor que vos escreve.

Respeite a arte! Ao reproduzir em outros lugares a obra de algum artista, cite o autor. Todos os textos aqui presentes foram escritos por Mao Punk.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

ITINERÁRIO ERRANTE

Cara fechada. Ela estava com a cara fechada, como se o dia tivesse sido uma bosta. Talvez porque estivesse no ônibus, em horário de pico. Mas acontece que ela estava sentada, o que já era motivo para não estar de mau humor. Aliás, estava sentada e muito bem acomodada, com as pernas bem esticadas, em direção ao banco que ficava de frente para o seu. Eram aqueles bancos em que as pessoas se sentam e ficam, de forma bem constrangedora, de frente para outras. Ela esticava as pernas em direção ao assento a meu lado.

Seu rosto não é o que chamariam de espetacular. Para mim era um rosto muito lindo! Grandes olhos expressivos. Rosto fechado, combinando com seus trajes sérios. Ela trajava preto: botas de feltro - ou algo que o valha - pretas, calça preta, blusa de frio preta. E, combinando com o contraste entre seu humor fechado e aquela beleza aberta em seu rosto, suas unhas estavam pintadas de branco. Carregava uma bolsa rosa-bebê. Acho que a bolsa era o que mais estava em desacordo, mas por favor, não pense que sou algum consultor de moda ou blogueiro teen. São apenas observações que, confesso, não têm qualquer importância.

As pernas esticadas em direção ao assento a meu lado. Céus, como eu queria que fosse em direção a mim! Aquele semblante fechado, aqueles olhos expressivos. Quisera eu aqueles olhos fixados no meu olhar, com uma expressão de quem me pede para tirá-la do sério! Mas são apenas perversões de minha mente. Em minha mente, aquele ônibus já tinha se transformado em um motel público itinerante e nenhum semáforo poderia nos impedir de avançar os sinais de nossos corpos.

Imaginei como seria se o ônibus fosse realmente um grande bacanal, um antro das perversões mais absurdas. Ler-se-ia no letreiro: "Largo das Delícias", e alguém no ponto de ônibus estaria esperando o "Apertado dos Prazeres", porque o largo não dá tanto tesão quanto o apertado. Pagar transporte? Só se fosse pagando boquete ou umas linguadas bem dadas. Se todos os assentos estivessem ocupados, poder-se-ia sentar no colo dos outros. Assento preferencial: escolha o tamanho mais apropriado! Ou apenas um assento longe de falos. Por certo que falos pervertidos já existem aos montes em qualquer transporte público. E, com certeza, isso é totalmente dispensável!

Percebi que todo esse pensamento era a coisa mais ridícula e broxante. Talvez servisse como roteiro para algum filme pornô estúpido, para que fetichistas - tão estúpidos quanto - pudessem se esbaldar batendo punheta. Absolutamente deprimente!

A moça de semblante sério continuava bem à vontade, trajando preto. Acho que era luto pela morte da minha sanidade mental. Ela me chamava a atenção. Ela realmente me chamava a atenção!

De forma alguma queria que aquele ônibus fosse um motel itinerante! Eu apenas gostaria que ela não descesse do ônibus enquanto eu estivesse lá. Foi uma excelente companhia!

Quem foi que disse que a solidão não faz bons contatos? Ainda que fantasiosos, são ótimos contatos!