Andava pelas ruas, sem vontade de nada. Mas ainda não havia perdido o gosto em observar o mundo ao redor. Notou aquele muro colorido em meio ao lixo jogado a céu aberto. As pichações não tiravam a poesia da coisa. Talvez, estranhamente, complementavam a obra, ao menos naquele exato momento. E até mesmo as baratas pareciam dançar em meio aos papéis jogados e a urina seca.
Bancas de jornal, edifícios caindo aos pedaços, farmácias, prostíbulos, lojas de roupa... Ela parou para olhar o anúncio da loja. Um cartaz com os dizeres “felicidade não se compra, mas nela você pode investir”. Na foto, um homem – na casa dos trinta –, bonito, bem trajado, com um belo sorriso estampado, semblante de pessoa bem sucedida. Rosto de quem comprou e foi feliz para sempre. Até mesmo porque a foto eternizou aquele sorriso mercantil. Ou pelo menos o eternizou até o momento daquele papel ir para a reciclagem. Certo! Sejamos mais realistas: até aquele papel ser jogado em qualquer bueiro imundo, empesteado de ratazanas famintas.
A questão é que ela parou não por um minuto, mas por dez longos minutos frente à foto. Ela analisou cada pedaço de madeira morta do cartaz, cada pingo de tinta impressa, cada detalhe do belo homem. Só não analisou seus suspiros estúpidos no meio da rua. Não notou a boca semiaberta e os olhos brilhando. O toque do celular a despertou.
- Espero que esteja em casa logo! Estou morrendo de fome e não tem uma porra de mistura sequer nessa casa! E mesmo que tivesse, a louça está toda suja! Esqueceu de lavar os pratos que usei ontem. Onde você está com a cabeça?!
- Desculpa, seu arrombado filho de uma puta! – pensou – Desculpa. Logo estou em casa.
Apesar da pequena indelicadeza, dessas que acontecem todos os dias, voltou para casa sorrindo, com o pensamento a mil. Havia disposição para o dia seguinte.
A caminho do trabalho, passou em frente à loja. E, de relance, observou novamente o cartaz. O coração apertou de forma estranha. Faltou-lhe o ar por alguns segundos, alguns segundos, alguns segundos... o tempo parou? Olhou, subitamente, para o relógio. Atrasou-se cinco minutos. O elevador não tolera sequer atrasos de dois minutos! Patrão reclamando. Telefones tocando incessantemente, papéis e mais papéis para assinar. Sorriso nos lábios.
Fim de expediente. Seus olhos já não notaram os pássaros na árvore cantando a melodia da vida. Seus olhos não notaram o céu aberto, nem as flores, nem as poesias das ruas empoeiradas. Seus pensamentos pararam nele, no homem de sorriso misterioso, de charme impresso em alta definição, homem com mais de 100 mil cores!
Novamente estava em frente à loja, mas... Que diabos! Onde estava o cartaz? Seus olhos marejaram. Seus lábios tremeram no que seria o maior susto de sua vida. Sentiu medo. Ajoelhou-se, sem se importar com os transeuntes mecanizados. Ajoelhou-se no desespero do desencontro. Levou as mãos à cabeça e olhou ao redor, com lágrimas descendo pelo rosto. Uma luz! No lixo da esquina próxima, jogado junto ao chorume do lixo acumulado de dias, estava o cartaz. Em meio aquela podridão, o sorriso do homem do cartaz anunciava um recanto de paz. Levantou-se e correu para o lixo. Jogou-se ao amado. Jogou-se como quem procurava insanamente comida em meio aos sacos e cestos. Abraçou o cartaz, deitada ao chão.
Aquele momento único, aquela vitória, aquele alívio, aquele encontro romântico... aquele sorriso convidativo! Olhos brilhando, as lágrimas agora eram de felicidade. “Eu te preciso”, sussurrou ao ouvido do cartaz. E beijou-lhe a boca com amor e devoção.