"RESQUÍCIOS DEPRESSIVOS, SUJOS E NOJENTOS" trata-se de textos onde exponho de forma irônica, metafórica, crítica e subversiva a condição humana. Esse blog pode causar estranhamento e até mesmo raiva, pois mistura o real com o fictício sem embelezamentos, indo a fundo no que o ser humano tem de pior: a ignorância, a covardia, os tormentos, a utilização da sexualidade de forma desrespeitosa, os vícios, a solidão, etc. Qualquer semelhança entre fatos e os textos aqui presentes é mera coincidência. As características do texto não representam necessariamente o ponto de vista do autor que vos escreve.

Respeite a arte! Ao reproduzir em outros lugares a obra de algum artista, cite o autor. Todos os textos aqui presentes foram escritos por Mao Punk.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

COMPRAS, SEXO E DESPERDÍCIO

Ela não era exatamente a mulher dos meus sonhos. Aliás, em sonho nenhum apareceria algo tão inusitado!

Quando transamos, algum asco deveria ter me acometido, mas talvez eu tenha transcendido o materialismo sexual e tenha me entregado simplesmente ao prazer daquela estranha companhia e seu quase morto apetite de foder.

Tudo começou em uma tarde de sol – desculpe se parece clichê dizer uma coisa dessas, dia de sol... Acredito que seja até desnecessário dizer sobre o tempo, até porque, em dias mais frios e chuvosos, pessoas de idade mais avançada preferem o calor da cama que a temperatura das ruas. Era o caso dela.

Ela saia do mercado, cheia de sacolas nas mãos, quase se rastejando junto com as compras. Era velha. Sei que dizendo assim a imagem que lhe vem à cabeça é de uma múmia, mas não. Era velha e até mesmo conservada, o que não significa que as marcas do tempo não a tenham atingido.

Ao ver aquela cena esdrúxula, prontamente me ofereci para ajudar a carregar todas aquelas compras – bem peculiares ao gosto de pessoas velhas, por sinal –, biscoitos de banana e canela, frutas, sopas instantâneas, até mesmo balas de coco entre outras coisas menos interessantes.

Nunca tinha a visto antes, mas para a minha surpresa ela morava perto de mim. Sim, eu levei as compras dela até sua casa. O que eu fazia na rua aquele horário? Não sei dizer. Apenas caminhava por meu bairro sem um rumo certo. E talvez a iniciativa de ajudar aquela senhora fosse simplesmente falta do que fazer, pretexto para uma distração qualquer.

Durante aquela curta caminhada de quatro quadras conversei com ela. E ela parecia tão dona de si, tão vivida, tão experiente! Todos os excessos cabíveis aos mais jovens ela já havia cometido e isso a tornava mais sincera.

Eu, em minha pouca idade, talvez por observar o mundo com olhos raros, já estava um tanto enjoado de garotas que agiam como se tudo fosse apenas uma brincadeira, um passatempo, uma paixão ignorável, algo relacionado a idade adolescente. Igualmente me incomodavam as mulheres já feitas que agiam como se soubessem de tudo, dessas que generalizam todos com base em um desprezo imposto. É verdadeiro dizer também que eu odeio todos os homens que não entendem a sensibilidade da vida. Essa velha, que eu acabara de ajudar, transmitia justamente o que nunca encontrei em outras pessoas, uma virtude excepcional, um caráter inabalável.

Chegando à sua porta ela me convidou para entrar. Senti malícia em seu jeito de falar, com aquela voz um pouco falha. Aceitei o convite. Talvez ela procurasse alguém que não se importasse com sua aparência, algo que certamente não teve em sua juventude. Da mesma forma, eu procurava algo que não fosse apenas estético e mundano.

Ela me levou para o quarto. Tirou minha roupa e também se despiu. Não era tão enrugada quanto poderia ser, mas seus seios já eram um tanto caídos e suas coxas eram ásperas. Poderia eu cobrar alguma beleza? Meu saco, naturalmente enrugado, também não era nada belo, mas ela encarou e muito bem!

Éramos Eros – ser inconsequente – e Medusa – após sua transa frustrada com Poseidon – na mesma cama, em uma inexplicável ação mitológica.

Durou pouco: o tempo dela reclamar de dor na coluna e eu perceber que as coisas haviam fugido do meu controle.

Vesti-me e me preparei para ir embora. Ao sair, ganhei uma bala de coco de brinde.

Nunca mais a vi pelo bairro. Soube tempos depois que naquele mesmo dia ela havia falecido em sua cama com um sorriso nos lábios, como se esperasse um momento de felicidade para deixar a vida.

Eu continuo vivo. Fazer compras me lembra o quanto as pessoas desperdiçam a vida.